Espaço para a crítica de discos, filmes, livros e demais manifestações artísticas.


Quarta-feira, Janeiro 12

Vladimir Nabokov - Lolita

Lolita é indubitavelmente a obra mais célebre de Nabokov. É a história sobejamente conhecida da relação amorosa entre um intelectual de meia-idade e uma menina caprichosa de 12 anos. A partir desta sinopse poder-se-ia pensar que assim que se conhece o fio condutor da história esta fica desprovida de interesse. Puro engano. Ela é composta por uma riqueza narrativa inefável que não é mais do que o produto da mestria e do domínio de linguagem do escritor russo. A história, apesar de nunca evidenciar grandes reviravoltas ou uma sucessão de acontecimentos apaixonantes,
acaba por nos prender dada a inegostável panóplia de recursos que Nabokov possui. O romance centra-se na figura de Humbert Humbert, um indivíduo grotesco, abjecto e insólito e, por isso mesmo, uma das personagens mais marcantes da literatura universal. As suas idiossincrasias e os tumultos que o assolam são-nos revelados como se o próprio Humbert Humbert fosse uma personagem real e não de ficção.
A sátira aparece furtivamente ao longo desta obra mas engrandece-a. É um livro obrigatório que nos imerge na voragem das suas linhas mas que só será realmente apelativo para os que acham a leitura um acto imensamente prazente e que se deliciam ao absorver a arte da escrita subjacente neste romance.

Franz Ferdinand

Apreciação final: 8/10
Edição: Abril 2004
Género: Indie Rock



Já todos escreveram e falaram sobre os escoceses Franz Ferdinand. Poucos se recordarão do EP Darts Of Pleasure, o primeiro impulso do que havia de tornar-se um dos mais engenhosos projectos musicais do ano transacto e que incluía o single "Take Me Out", granjeador de honras fora do comum no airplay das rádios, um pouco por todo o planeta, catapultando os Franz Ferdinand para o estrelato, bem além daquilo que a própria banda teria alguma vez sonhado. E a que se deve este brusco sucesso de grande escala? Em primeiro lugar, à habilidade quase hedonista dos Franz Ferdinand, perfeitamente audível no disco: o álbum é exactamente aquilo que o grupo queria, com um estilo e energia contagiantes, indiferente aos espartilhos do "parece bem" e à prudência do "deve ser assim". Este é o som deles, de mais ninguém, pode ser teatral, extravagante, alvoroçado, até um pouco volátil, mas é único.

Franz Ferdinand é um desfile de composições com deliciosos tiques revivalistas, a lembrar os tempos oleosos da brilhantina, das camisas de popelina e do sapatinho polido, captando essa atmosfera, colorindo-a com cores recentes em borrifos de urbanidade contemporânea. As canções são versáteis como actos de fruição sem impurezas, devidamente joeirados para se livrarem das contaminações do mainstream e mostrarem a alma e o coração aberto dos Franz Ferdinand. Quase se pode palpar a honestidade desta oferenda que vibra nos tímpanos de jeito atordoante, mas nos subjuga implacavelmente, por força da sedução viciante da música retro e da libertinagem dos contextos líricos. Dificil mesmo é não gostar de Franz Ferdinand, mais árduo ainda é não reputar este registo como um dos melhores de 2004.

Posto de escutaBarnes & Noble

Clã - Rosa Carne

Apreciação final: 8/10
Edição: Maio 2004
Género: Pop-Rock Alternativo



Rosa Carne foi apresentado como um disco declaradamente feminino, não apenas no objecto das letras, também na assunção de um espírito confessadamente sensual, mesmo insinuante. O grupo portuense envolve a beleza esmagadora da voz delicada de Manuela Azevedo em cenários ignotos, criados por arranjos musicais ricos, a roçar uma opulência que deriva da maturidade do colectivo da Invicta.

Ouvir Rosa Carne é embarcar numa expedição a universos femininos, aqueles em que se esgaravatam sentimentos e se expõem receios, onde se sopesam prós e contras com indecisão. A ambiência sonoplástica do disco é soberba, menos pop, e sublinha a convocação a esse mundo simulteamente violento e doce, feito de flores e lascívia carnal. As canções parecem atadas por empatias sinérgicas, como que dependentes entre si, rumo a uma plenitude conjunta que faz de Rosa Carne o projecto mais destemido dos Clã, num autêntico golpe de anca feminino, validado por um libidinoso pestanejar de olhos, que nos invade a mente, nos toma o corpo e sobrepuja todas as resistências. Não será o melhor trabalho dos Clã?

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Slipknot - Vol. 3 : The Subliminal Verses

Apreciação final: 6/10
Edição: Maio 2004
Género: Metal Alternativo



A explosão do nu-metal do final dos anos 90 bolçou várias bandas para a fama. De entre os inúmeros projectos musicais que sobejam desse auge, destacam-se os Slipknot, projecto musical de Iowa que colhe a sua inspiração em rancores e fúrias teen, expressas na rudeza auto-destrutiva das letras, na intensa agressividade niilista das vozes guturais e na lógica de confronto hostil pretensamente com motivações catárticas. Essa energia negativa é destilada na distorção das guitarras eléctricas, em percussões furiosas e em cenários líricos violentos e depressivos.

O som é intenso e poderoso, numa espécie de artesanato sónico visceral que continua a distinguir os Slipknot dos restantes projectos nesta área. O problema reside na presença de algumas faixas acústicas, em ruptura clara com a filosofia do grupo e que desvirtuam o senso global do registo. Se os Slipknot se proclamam os mensageiros da fúria rebelde de uma geração, que assumam de corpo inteiro o encargo. Conseguem imaginar um mascarado de guitarra acústica na mão?

Vol. 3: The Subliminal Verses é um disco dicotómico: as faixas heavy são de excelente nível, as restantes...nem sequer deviam estar! Será esta divisão sinónimo de uma versatilidade discutível ou de uma aproximação ainda mais duvidosa a outros públicos? Aguardam-se outros capítulos...

Posto de escutaBarnes & Noble

Terça-feira, Janeiro 11

Despertar da Mente

Apreciação final: 8/10
Edição: 2004
Género: Drama/Romance





A memória, um fiel depositário de reminiscências, é o mais tangível elo entre o sujeito enquanto ser e a teia de vínculos que arquitecta com os outros, o espaço e o tempo. Sem ela, perde-se a porção mais elementar da idiossincrasia do indivíduo, desfazem-se laços, desmoronam-se momentos. Este filme de Michel Gondry aborda com inteligência a ténue supremacia das memórias e a irresolução do sujeito face ao ensejo de apagar imagens não queridas. No fundo, Gondry propõe-nos, pela dedução da força anamnésica do amor, um ensaio sobre as relações humanas, a irreversibilidade do sentimento e as repercussões indeléveis do pretérito. Concomitantemente, mostra-nos com singeleza que, por vezes, o mais acertado remendo para as omissões do presente jaz algures nas recônditas memórias do passado.

A densidade do argumento é o diapasão que conduz as brilhantes actuações de Jim Carrey e Kate Winslet. Carrey no desempenho mais exigente da sua carreira, também o mais distante do registo costumeiro, demonstra inequivocamente aptidões só afloradas em Truman Show e The Majestic, acercando-se da ribalta que reclama para si - merecerá a atenção da Academia de Hollywood desta vez? Por seu lado, Winslet cativa o espectador, num desempenho que secunda com propriedade o de Carrey, verdadeiramente intenso e genuíno. Uma nota ainda para a presença de Elijah Wood, Kirsten Dunst e, acima destes, um actor com uma ascensão prometedora e cujo nome convém reter: Mark Ruffalo.

O Despertar da Mente é um filme comovente - não no sentido lamecha do termo - cujo mote toca a todos e apela a uma reflexão interior sobre o valimento da condição humana, vertido na natureza dos seus afectos e na insuficiente ciência da memória. Sem dúvida, um dos melhores títulos de 2004.

Sexta-feira, Janeiro 7

José Mário Branco - Resistir é Vencer

Apreciação final: 6/10
Edição: Abril 2004
Género: Música de Intervenção/Jazz/Pop Erudito



O mais recente trabalho de José Mário Branco, dedicado ao povo maubere, é um tomo firmemente político, uma asserção corrosiva sem temor de afrontar juízos instituídos, pelo vigor das letras e usando a canção como arma de arremesso.

A qualidade das instrumentalizações pauta um discurso mordaz, legando um documento para as gerações mais jovens, para que não esqueçam valores que se tomam por garantias mas que, afinal, se aligeiram em cada dia.

José Mário Branco é um homem de crenças, não deixa que as convicções adquiridas se corroam pelo entorpecimento do sucesso e Resistir É Vencer atesta essa condição. Os poemas são de excelente nível, o disco é um dos melhores trabalhos da carreira do músico. Nas palavras do próprio: "Sou português, pequeno-burguês de origem, filho de professores primários. Faltam-me dentes. Sou o José Mário Branco, 61 anos, do Porto. Muito mais vivo que morto. Contai com isto de mim. Para cantar. E para o resto." Neste disco, está o canto...e está o resto.

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Spring Heel Jack - Sweetness Of Water

Apreciação final: 7/10
Edição: Junho 2004
Género: Avant-Garde Jazz/Experimental/Improviso



O futuro não tem limites, dilata-se num traço temporal imaginário que corta avidamente o vácuo e o parte, assomando obstinado em sentidos ignotos, algures no desconhido, sumido em dimensões do porvir. A música dos Spring Heel Jack está em nenhures, não é pretérita, nem exclusivamente vanguardista, bamboleia titubeante nessa linha invisível, onde o tempo deixa de o ser e de onde emergem ruídos dissolvidos, em fugiras prolixas de contornos mal definidos, numa selva nocturna de voluptuosidade intensa.

A doutrina primaz é o inventividade do jazz, longe os tempos em que o drum'n'bass era o dogma incontestável para Coxon e Wales. Sweetness Of Water é provocante, lança um desafio ao ouvidor que, tomado pela modernidade da babel dos Spring Heel Jack, se deixa fascinar pelo indício da desordem que lhe serena o ânimo mas que, em sucessivas picadas de improviso, lhe renovam o repto a cada segundo. Depois, a elegância esdrúxula e a dinâmica mutante das composições criam uma simetria estética sem igual, fazendo prova do estatuto de criadores ímpares dos Spring Heel Jack.

Sweetness Of Water não é um disco generalista, mas encerra em si o primor do experimentalismo e do improviso. Altamente recomendável aos fãs do género.

Posto de escutaBarnes & Noble

Quinta-feira, Janeiro 6

Tv On The Radio - Desperate Youth, Blood Thirsty Babes

Apreciação final: 7/10
Edição: Março 2004
Género: Experimental/Indie Rock/Pós-Rock



Se o refinamento da complexidade musical tem um nome, chama-se TV On The Radio. Rotular a música do grupo de Brooklyn é tarefa custosa, tal a amplitude de fontes inspiradoras a que recorrem. Há aqui um irreverente espírito pós-punk, envolvido em atmosferas electrónicas singelas. Se o EP Young Liars havia sido uma imprevista surpresa, assinalando o recrudescimento de um dos mais excepcionais actos musicais do novo século, este Desperate Youth, Blood Thirsty Babes suplantou as mais imoderadas expectativas.

A inteireza do som do grupo espelha a peculiar alquimia dos Tv On The Radio, traduzida em vocalizações dominadoras, inclinadas para o experimentalismo das instrumentalizações, sempre densas mas concomitantemente simples. Não há limites para os Tv On The Radio, a incorporação justa do soul e do jazz no mundo do rock indie é a proposta. Aceitemos o alvitre, sem indulgências fingidas e escutemos Desperate Youth, Blood Thirsty Babes com a atenção devida. Afinal, é o testemunho de um conflito assumido entre a voz e a máquina e da tensão da fusão multi-cultural do grupo. Deste liame, nasceu o disco. Sejamos árbitros privilegiados da querela.

Posto de escutaBarnes & Noble

The Arcade Fire - Funeral

Apreciação final: 7/10
Edição: Setembro 2004
Género: Rock Indie/Pós-Rock/Experimental



O quinteto canadiano The Arcade Fire é uma brava quadrilha de assalto às emoções, com um som empoeirado, alimentado pelo rancor profundo, na invocação recorrente de cenários pós-apocalíticos feitos de um romantismo feroz e com a beleza brutal de vistas metaforicamente quebradiças, de uma fragilidade esmerada. A música é melódica, assume uma teatralidade introspectiva, percorrendo os temas do amor, do suicídio, da morte e da mundanidade do quotidiano, em perspectivas insanas de libertação exuberante. E o propósito é seguramente atingido, sem refrear ânimos, em dez faixas consistentes e equilibradas.

Funeral é a banda sonora de uma geração assombrada pela frustração, a inquietude, a tragédia e o consequente isolamento auto-infligido. Este disco é um registo negro, simultaneamente capaz de desatar enigmas da alma, desprendê-la da exiguidade das suas fronteiras e trazê-la, resoluta, ao confronto tenaz dos seus receios. E, então, do lúgubre se fará luz, e de Funeral surgirá uma plangente celebração à pura emoção humana.

Posto de escutaBarnes & Noble

Sloppy Joe - Flic Flac Circus

Apreciação final: 6/10
Edição: Fevereiro 2004
Género: Reggae/Ska/Pop/Dub/Funk



A música dos portugueses Sloppy Joe é descomprometida, vive da liberdade de acolher diversas influências e fundi-las com mestria, numa trama sónica de inspiração ska, ampliada a uma multiculturalidade desembaraçada.

A primeira ideia que ressalta da audição de Flic Flac Circus é que estamos no backstage de um espéctaculo circense, em que arlequins alegram crianças, domadores refream feras e saltimbancos desafiam o risco, ao som dos saudosos Mler If Dada. Mas os Sloppy Joe fazem mais do que isso e, sem se arrogarem videntes de um novo género, constroem um disco cujo objectivo primaz é a descontracção pelo divertimento. E nesse desígnio, são bem sucedidos.

Posto de escutaCDGO.com

Quarta-feira, Janeiro 5

cLOUDDEAD - Ten

Apreciação final: 7/10
Edição: Março 2004
Género: Underground/Rap Alternativo/Experimental



A música do trio cLOUDDEAD é uma misteriosa e inopinada experiência sonora, recorre a uma combinação invulgar de conceitos experimentais e de música ambiente, com vocalizações anormais que, muitas vezes, fazem lembrar mantras tibetanas. Ten é um tomo bizarro, colhe influências de Eno, abraça-as com surrealismo e revela-se conscientemente psicadélico. Se à primeira escuta, este registo parece difuso e desorientado, com o tempo Ten transforma-se numa valiosa peça de música moderna.

Ten é um daqueles discos que se venera ou se odeia, a peleja é um desafio mordaz à opinião, mas os cLOUDDEAD fizeram um bom trabalho. Já o haviam feito no registo anterior, neste Ten seguem as suas próprias pisadas e o disco, se perde para aquele em originalidade, ganha-lhe no aprumo do talento dos músicos e não envergonha as expectativas dos seguidores do grupo.

Os tons suspensos de orgão arrumam o cenário e os longos ruídos esparsos abrem trilhos para a peregrinação das palavras, tornando o disco absorvente e muito experimental, volátil e paranóico, num espírito de confrontação livre, visceral e intenso.

Posto de escutaBarnes & Noble

The Stills - Logic Will Break Your Heart

Apreciação final: 6/10
Edição: Outubro 2003
Género: Rock Indie/Pós-Rock/Experimental



O quarteto canadiano The Stills move-se sob as influências dos Echo & The Bunnymen, os The Clash, os Joy Division ou os The Smiths. As aparições recentes em concertos dos The Rapture, Yeah Yeah Yeahs ou The Streets conferiram-lhes alguma notoriedade na cena rock internacional.

Logic Will Break Your Heart foi o seu álbum de estreia e, não indiferente às influências pós-punk, o disco é sólido, imaginativo e tem glamour. A sua sonoridade é uma espécie de art-pop obscura, com percussões assinadas com veemência e riffs de guitarra convenientes. Não se trata de um registo brilhante, longe disso, mas ouvir Logic Will Break Your Heart não é uma experiência despicienda. Aguardam-se novos passos dos The Stills.

Posto de escutaBarnes & Noble

Animal Collective - Sung Tongs

Apreciação final: 8/10
Edição: Junho 2004
Género: Rock Indie/Experimental



O projecto nova-iorquino Animal Collective é um devaneio de David Porter (apresentado como Awey Tare) e Noah Lennox (nickname: Panda Bear) e explora uma invulgar intersecção entre o folk americano e texturas ambientais, com um psicadelismo retorcido e melodias escuras. Sung Tongs foi um dos trabalhos mais elogiados de 2004, resgatando o grupo do quase-anonimato a que estava votado, apesar do êxito de Here Comes The Indian (2003).

A primeira ideia a reter deste Sung Tongs é o imediatismo acrescido das faixas, bastante mais acessíveis do que as do seu anterior trabalho, sem no entanto perderem o efeito surpresa a que o duo nos habituou, pela invenção de faixas únicas, extravagantes e criativas, com uma dose proporcional de uma euforia que se confunde com ingenuidade. Não se trata de inexperiência ou inabilidade dos Animal Collective, apenas da assunção ciente de uma candura pueril, tão libertina quanto inconsciente, na criação das canções; o resultado chama-se Sung Tongs, é estreme, é encantador e propõe um desígnio que tem tanto de inverosímil quanto de raro: fazer da mais primária música, uma peça intemporal. Se é verdade que os Animal Collective soam mais melodiosos aqui, não o é menos que Sung Tongs está submerso num caos deliciosamente organizado de águas imiscíveis que se misturam, afinal apenas um secreto ponto de encontro para danças de celebração e epifânias momentâneas.

É verdade que o disco pode parecer, para os menos identificados com os Animal Collective, uma visão exageradamente vanguardista de uma improvável fusão entre os Beatles e Simon & Garfunkel. Para os outros, Sung Tongs é único, um idílico poiso de sonho, uma viagem catártica à criança dentro de cada um de nós.

Posto de escutaBarnes & Noble

Terça-feira, Janeiro 4

Luna - Rendezvous

Apreciação final: 6/10
Edição: Outubro 2004
Género: Pop Alternativa



Rendezvous foi escrito sob o anúncio da dissolução dos Luna e apresenta-se como cartão de despedida de um dos projectos mais sólidos da pop alternativa. Em comparação com os registos anteriores, este trabalho revela percussões mais sacudidas, encaixadas na estética melodiosa do grupo. A voz de Dean Wareham conduz-nos numa incursão por paisagens primaveris de veludo (os Velvet Underground andam por aqui...), feitas de sons gentis e íntimos, compassivos e tristes, plácidos e relaxantes. Mas os sonhos também podem ser superficiais e, à excepção de "Malibu Love Nest", nenhum dos temas se liberta de uma certa indiferença (reflexo directo da condição divorciante da banda?).

Rendezvous é apenas o retrato de uma despedida que os Luna ficam a dever a si mesmos...ou o testemunho de um trajecto que não chegou a ser o que devia ter sido.

Posto de escutaBarnes & Noble

John Frusciante - Shadows Collide With People

Apreciação final: 7/10
Edição: Fevereiro 2004
Género: Pop-Rock Alternativo/Pós-Punk



Ele é mais conhecido como guitarrista dos Red Hot Chilli Peppers mas já leva alguns anos de edições a solo. Este registo foi o quarto desses trabalhos e é aquele que mais se aproxima do formato da sua banda de origem, pela convocação persistente de sonoridades mainstream, feitas de canções estruturadas e de refrões mais orelhudos. Se as gravações anteriores avocavam uma postura declaradamente introspectiva, este mostra-se menos cerrado, mais directo, mais facilmente assimilável, sem resvalar para o simplismo. Não se trata de pop MTV, o preceito é distinto, a doutrina é a alternativa.

Shadows Collide With People mantém o traço típico dos trabalhos prévios de Frusciante, moldado de uma forma diferente e que revela um compositor assisado e confiante. O vigor propagável dos Red Hot é posto de lado, Shadows Collide With People deve ser ouvido de roupão e chinelos, ao quentinho da lareira.

Posto de escutaBarnes & Noble

Swayzak - Loops From The Bergerie

Apreciação final: 5/10
Edição: Setembro 2004
Género: Techno Minimalista/ Club-Techno



A música do trio londrino Swayzak não é fácil de classificar, é marcadamente electrónica, acolhe influências do dub e do novo jazz, numa mistura que parecendo sedutora, em Loops From The Bergerie depressa se mostra um mistifório. Desta vez, Brown, Taylor e o recém-recrutado Paterson refugiaram-se num antigo castelo dos Alpes Franceses (o Bergerie do título) e produziram um registo que está longe de trabalhos editados no passado. Loops From The Bergerie é repetitivo, enfadonho, pouco criativo, apraz a espaços mas defrauda a seguir. As vocalizações não se ajustam à orgânica do disco e a reinvenção do conceito musical do grupo soa a Royksopp, sem o brilhantismo destes, ou aos Depeche Mode numa noite de ressaca depressiva.

Esta viragem dos Swayzak não será muito bem acolhida pelos seus seguidores mais próximos, mas conquistará os adeptos da techno minimalista. A produção é de bom nível e salva o disco de um desempenho medíocre.

Posto de escutaBarnes & Noble

Thievery Corporation - Babylon Rewound

Apreciação final: 5/10
Edição: Novembro 2004
Género: Electrónica/Club-Jazz/New-Jazz/Dub



Babylon Rewound reduz as principais faixas de The Richest Man In Babylon (2002), álbum dos Thievery Corporation, à essência dub. As propostas de remistura são da autoria dos próprios, de Kid Loco e Voidd.

A nota dominante é o relaxe, num embalo de reggae. Contudo, o grande problema deste registo é perceber se foram as faixas pervertidas ou, ao invés, se ganharam com a metamorfose. A desvirtuação da sua condição inicial não lhes desfez os méritos? O critério é o do ouvinte, sendo certo que o registo é mais indicado para os admiradores do grupo. Para espicaçar os menos afoitos, o grupo incluiu um tema não editado antes, "Truth And Rights". Mesmo assim, nada neste registo prende o auditor e difícil mesmo é manter o disco no leitor por muito tempo. Um arrebique nem sempre alinda...

Posto de escutaBarnes & Noble

Segunda-feira, Janeiro 3

Secret Chiefs 3 - Book Of Horizons

Apreciação final: 7/10
Edição: Maio 2004
Género: Rock Experimental



Book Of Horizons é o mais recente alvitre dos Secret Chiefs 3. Para quem não sabe, este ensemble é o alter-ego dos Mr. Bungle. Todavia, aqui, o ênfase não está nas capacidades vocais de Patton mas sim no virtuosismo instrumental, na versatilidade da escrita de Spruance e, acima de tudo, na elástica deferência a estilos aparentemente imiscíveis. O tecido sónico é muito variado, sem se tornar difuso, acolhe uma míriade de influências e espreme-as até lhes haurir a essência.

Este trabalho é ambicioso, também por isso arriscado, mas alguma vez o risco foi problema para Patton e seus pares? Neste registo, o objectivo é compilar faixas de seis bandas diferentes, todas lideradas por Trey Spuance (mentor dos SC3): The Forms (rock negro), Ishraqiyun (rock híbrido de inspiração asiática), UR (rock vanguardista), Electromagnetic Azoth (electro-acústica), Holy Vehm (death metal) e Traditionalists (Ambiente experimental).

Book Of Horizons é um título original, diferente do convencionalismo reinante e apartado da banalidade geral. Não é um disco de consumo fácil, deve ser digerido com demorado desvelo, até se lhe perceberem os méritos. E só então, se torna um registo tremendamente apelativo e um seguro testemunho da melhor produção experimental.

Posto de escutaBarnes & Noble

Donna Maria - Tudo É Para Sempre

Apreciação final: 6/10
Edição: Outubro 2004
Género: Electrónica/Fusão/Pop



Os lisboetas Donna Maria são a nova amostra da moderna música portuguesa, acolhem as raízes mais profundas da portugalidade musical, desde o fado de Amália à pop Variações e fundem-nas com as ambiências das beats electrónicas hodiernas. A lista de ilustres colaborações inclui os nomes de Vitorino, Paulo de Carvalho, Pedro Luís e a Parede, Letícia Vasconcelos, Ciro Cruz, Paulinho Moska e Gil do Carmo.

O acento tónico deste álbum é a ousadia honrosamente portuguesa, metida entre a urbanidade contemporânea e o desafio permanente às normas da tradição, pautado por arranjos musicais de excelência e melodias e poemas que sobressaiem. Não há aqui modas, nem falsos pretextos ou arrogâncias, apenas o caminho de vanguarda para a pop nacional. E os Donna Maria, a par dos A Naifa, com menos brilho do que estes, seguem esse trilho.

Ney Matogrosso, Pedro Luís e a Parede - Vagabundo

Apreciação final: 7/10
Edição: Abril 2004
Género: Pop-Rock/Tropicalista/Fusão/Samba



Depois de alguns momentos esporádicos de colaboração, Matogrosso e a banda Pedro Luís e a Parede decidiram editar um álbum conjunto, suportado por uma digressão que correu o Brasil de uma ponta a outra. As influências das quatorze faixas que constituem o alinhamento de Vagabundo são variadas: "Assim Assado" (Secos & Molhados), "Disritmia" (Martinho da Vila), "A Ordem é Samba" (Jackson do Pandeiro), entre músicas da carreira de Matogrosso e da Parede.

O registo é bastante equilibrado, as faixas são obstinadamente integradas com homogeneidade e merecem um tratamento musical de excelente nível, sobrando a harmonia da união entre os músicos. A exuberância da voz de Matogrosso encontra o poiso perfeito nas ondulações sonoras de castidade musical de Pedro Luís e a Parede, conferindo a Vagabundo uma atmosfera de pop-rock tropicalista que faz deste trabalho um dos melhores do ano recém-terminado no Brasil. Altamente recomendável.

Domingo, Janeiro 2

Carlos Libedinski - Narcotango

Apreciação final: 7/10
Edição: Dezembro 2004
Género: Electrónica/Tango/Fusão



O registo Narcotango mostra a fusão entre a atmosfera do tango argentino e os ambientes sonoros da electrónica contemporânea. As semelhanças com o projecto Gotan Project são intuitivas, embora os elementos electrónicos adquiram aqui outra exuberância e uma complexidade de nível superior. Ainda assim, a pedra de toque é a sensualidade rítmica do tango, vincada pela emancipação do acordeão e dos luxuosos ingredientes de cordas.

Narcotango é um tomo promissor, feito da mais moderna música electrónica de fusão, propositadamente exibicionista, declaradamente garboso e intensamente contagiante. O apelo à sumptuosidade sónica não cai em exageros vazios, antes inventa uma visão renovada do estilo clássico da música tradicional da Argentina. O arrojo de Libedinski é maior do que o dos Gotan Project, o compromisso com o passado é menor, a sugestão de futuro é arriscada. Porém, o desfecho é tentador e merece ser ouvido com insistência. Se Piazzolla tivesse trabalhado com os Massive Attack teria feito um disco assim.

Marlango

Apreciação final: 7/10
Edição: Novembro 2004
Género: Jazz-Pop/Pop Alternativo



A cantora e actriz Leonor Watling encabeça o projecto Marlango, reconhecidamente uma das revelações mais surpreendentes do ano de 2004 em Espanha. O disco é intimista, revela uma aproximação ao poder dos sentidos, numa viagem pela chanson francesa com o espírito da soul e o embalo do jazz em pano de fundo e o fantasma de Tom Waits como cicerone. A enriquecer o registo marcam pontos a voz sensual de Watling, o talento virtuoso dos músicos e a atracção irresistível das canções. O resto é o bom gosto que dita. Um disco serenamente relaxante, de méritos inquestionáveis na originalidade, com breves pitadas nobres a fazer lembrar P.J. Harvey, The Pretenders ou Maria Rita.

Marlango é uma lufada de ar fresco no panorama da música espanhola e europeia e deixa a promessa de feitos mais ambiciosos para um futuro próximo. Leonor Watling canta melhor do que nunca, faz-se acompanhar dos melhores músicos de Espanha e o resultado só podia ser um disco de bom nível, apontado por várias publicações da especialidade como o melhor título do ano no país vizinho. A ouvir sem reservas.

Posto de escutaIt's All Right

Sábado, Janeiro 1

Cult Of Luna - Salvation

Apreciação final: 8/10
Edição: Outubro 2004
Género: Metal Alternativo / Gótico Minimalista / Metal Experimental



Salvation é o mais recente trabalho dos suecos Cult Of Luna. Já sabemos que o seu som nunca será mainstream, não é esse o fito. Os Cult Of Luna limitam-se a construir paisagens sónicas enigmáticas e pesadas, sem partidas e sem destinos, alargando as fronteiras do metal a outras paragens, recheadas de experimentalismo e versatilidade, trazendo-os ao estatuto de expoentes máximos como mensageiros de um novo metal, a par dos Isis, ou mesmo dos Tool. A exploração deste álbum merece ser demorada, penetrando-lhe as entranhas até extrair os raros momentos de beleza profundamente negra que os Cult Of Luna arquitectam. A voz angustiada é discreta, apenas completa as faixas, desviando a atenção do ouvinte para o essencial: a natureza simultaneamente corrosiva e doce deste Salvation.

É certo que o disco não agradará a todos, mas não deixa de ser um dos melhores trabalhos de 2004. Se é apreciador de metal vanguardista, inspirado nos contextos negros do gótico, Salvation é um disco recomendável.

Flunk - Morning Star

Apreciação final: 7/10
Edição: Outubro 2004
Género: Electrónica / Downbeat



O quarteto Flunk é de origem norueguesa e pulou para o estrelato graças à invulgar versão de "Blue Monday" incluída no seu registo anterior, For Sleepyheads Only. Se esse trabalho revelava algum viço e uma inteligente tendência para apimentar a electrónica com vocalizações oportunas e alguma irreverência, este Morning Star subjuga as melhores expectativas. Curiosamente, este disco também inclui uma versão dos New Order, tendo a escolha recaído em "True Faith". Quanto ao resto, o cenário é idêntico: texturas downbeat, cruzadas com ingredientes pop, uma voz serena e cativante, muito a la Björk, e uma boa dose de talento. Morning Star não é uma obra-prima mas servirá o propósito de saudar o novo ano com música de qualidade.

A gentilidade dos elementos electrónicos toma-nos desde o início do disco, embala-nos numa incursão pelo mundo hipnotizador das beats, numa flutuação leve pelo éter onírico da moderna atmosfera dos Flunk. Sente-se, relaxe e ouça.

Terça-feira, Dezembro 21

Problemas técnicos


Alguns problemas de ordem técnica vão impedir-me de colocar novos posts nos próximos dias. Por esse motivo, aqui deixo as minhas desculpas e a promessa de regressar num curto espaço de tempo, o mais tardar no início do novo ano.

Ainda assim, para os utilizadores do apARTES não ficarem "de mãos a abanar" deixo aqui algumas sugestões de discos para os próximos dias:

- Carlos Libedinski "Narcotango" (Tango electrónico a la Gotan Project);
- Cult Of Luna "Salvation" (Metal Alternativo/Experimental);
- V/A "Amália Revisited" (Outra visão do fado tradicional);
- Marlango;
- Sam Roberts "We Were Born In A Flame";
- Tuxedomoon "Cabin In The Sky";
- Rolling Stones "Live Licks";
- Vanessa Mae "Choreography";
- John Frusciante "Shadows Collide With People";
- Keith Jarrett "The Out-Towners";
- Nancy Sinatra;
- Ney Matogrosso, Pedro Luís e a Parede "Vagabundo".

Obrigado.
Feliz Natal e Bom Ano de 2005.

Sexta-feira, Dezembro 17

Guided By Voices - Half Smiles Of The Decomposed

Apreciação final: 6/10
Edição: Agosto 2004
Género: Pop-Rock Alternativo/Indie



Os americanos Guide By Voices conquistaram o seu espaço no underground graças a um som lúcido, apaixonado e franco. Este registo é mais psíquico, portanto mais denso e, talvez, menos imediato. Também por isso, afasta-se um pouco do padrão costumeiro do grupo, compondo um alinhamento puramente indie, com fogachos de pop, em esquissos sonoros aprazíveis.

A versatilidade lo-fi dos Guided By Voices é aqui retesada ao extremo e responde, periclitante, num portento de energia centrífuga e, por isso, desconcertada e dividida. Não nos iludamos, Half Smiles Of The Decomposed é um bom disco, mas mostra faces ocultas dos Guided By Voices e, com elas, vem a prova de que nem sempre a aventura é o caminho certo, especialmente se o passado pesa nas costas. Ainda assim, vale a pena escutar este registo. Se nenhum motivo sobrar, seja porque foi anunciado como o último dos Guided By Voices.

Matozoo - Funk Matarroês

Apreciação final: 7/10
Edição: Janeiro 2004
Género: Hip-Hop



A nota de imprensa de lançamento deste registo rezava assim (em maiúsculas estão os títulos das faixas deste disco):

"FUNK MATARROÊS, é o título que melhor descreve o estado musical das nossas ALMAS. Numa era em que é mais fácil gritar A CULPA NÃO É MINHA, refutam-se responsabilidades em vez de preparar o futuro PARA A SEMENTE. Não acreditamos em revoluções utópicas, por isso gritamos CANCELEM O APOCALIPSE...porque Nóides fazem música colados a uma FÓRMULA. A verdadeira revolução acontecerá, apenas, quando forem dados 4 TIROS NA INDÚSTRIA e O REGRESSO DO APÓSTOLO for eliminado. Assistiremos à INVASÃO DOS DRÓIDES MATARROÊSES, em cativeiro desde que soaram os TROMPETES DE 95. Caso a mudança não ocorra em B MIL E C com este FUNK MATARROÊS, continuaremos “mais ao lado”, a fazer soar TROMPETES EM 2014. Até lá, continuaremos os KOMBATES KOM MORTAIS e o QUE FOI, FOI e o que será, será!"

É preciso dizer mais? A isto junta-se um espírito assumidamente rebelde, um discurso perspicaz e directo (às vezes demais!), num disco do mais duro hip-hop nacional. Se Funk Matarroês não deu os tais quatro tiros, pelo menos fez uso da melhor arma do rap: a independência. A etiqueta Matarroa (de Matosinhos) apoia os rapazes e eles afirmam-se. Atenção aos Matozoo...eles andam aí!

Estradasphere - Quadropus

Apreciação final: 5/10
Edição: Outubro 2003
Género: Rock Experimental/Étnica/Jazz-Rock/Fusão



Estradasphere é um curioso projecto de fusão entre a étnica, o jazz e o experimentalismo. A música é complexa, integra vocalizações soltas, instrumentalizações de acalmias caóticas, percussões electrónicas e engenho criativo. As semelhanças com os Secret Chiefs 3, mesmo com os Mr. Bungle, piscam-nos o olho, ironicamente, a cada faixa. Mas Quadropus não se esgota aí.

A música é tímidamente sumptuosa, como fundo são servidos arranjos de sopros estimulantes e que balanceiam os restantes elementos das composições. Apesar do bom gosto e da honestidade da proposta, parece faltar a este registo a espessura de outras ofertas do mesmo género. As músicas são vãs, algo inconsistentes e, mais do que isso, são demasiado superficiais para serem levadas a sério. Definitivamente, Quadropus parece bem, mas não conquista.

Quinta-feira, Dezembro 16

90 Day Men - Panda Park

Apreciação final: 7/10
Edição: Fevereiro 2004
Género: Rock Indie/Alternativo



Os 90 Day Men são complexos, psicadélicos, progressivos e new wave. Ainda assim, estes rótulos são redutores, a sua essência vai bastante além de qualquer classificação. Panda Park é o registo mais recente. Que dizer sobre este trabalho único? É inegável que se trata de um disco luzidio, de uma banda à procura da afirmação, em obstinada evolução. Sete faixas vincadamente insanas, em devaneio alucinado de esquisitices, paranóias e aberrações. Há aqui influências do punk, do rock progressivo e doses incomensuráveis de engenho. Além disso, a fusão entre a electrónica retumbante e a serenidade acústica é de bom nível, conjugando pertinentemente o talento dos músicos.

Panda Park é um disco de surpresas anfetamínicas, de desvarios coloridos e que não deixa de ser fracturante, mesmerizador e, acima de tudo, original. Grande álbum.

Kaada & Patton - Romances

Apreciação final: 7/10
Edição: Novembro 2004
Género: Rock Experimental/Pós-Rock/Electrónica Experimental



Quando se junta a mente assombrada de Mike Patton e a sedução onírica de John Kaada o desfecho é um disco que assume proporções quase-cinematográficas, algures entre o assustoso e o tentador. As músicas são melódicas, pousadas em estruturas elásticas, desprendidas de convencionalismos escusados e personificam a luxuosa míriade de influências trazidas pelo norueguês Kaada. As vocalizações são extravagantes, as mais das vezes, e timoratas, noutros momentos do registo. Se ainda dúvidas houvesse, o engenho vocal de Mike Patton é aqui estirado ao extremo, dos agudos pungentes aos graves guturais, conferindo a Romances um espírito invulgar, um misto inesperado de sentimentalismos fervorosos e medos frios.

Romances é verdadeiramente apelativo, não só para os fãs de Kaada ou Patton, também para quem busca uma macabra banda sonora do amor.

American Music Club - Love Songs For Patriots

Apreciação final: 6/10
Edição: Outubro 2004
Género: Pop-Rock Alternativo/Indie/Folk



Os californianos American Music Club, liderados por Mark Eitzel, gravaram sete álbuns, todos aclamados pela crítica, e cativaram um razoável número de seguidores. O projecto foi desmantelado em 1995, tendo retomado a sua actividade em 2003. Dessa inesperada reunião culminou nasceu Love Songs For Patriots.

Se os álbuns a solo de Eitzel eram omissos, neste registo há uma integridade superior, o ensemble de músicos dos American Music Club dá outra expressão às criações de Eitzel, enriquecendo-lhes a propensão sardónica, a melancolia e o slowcore.

Este Love Songs For Patriots não será o melhor trabalho dos AMC, nem o pior, mas vem provar que a fórmula do grupo é ainda capaz de propôr um disco suficientemente interessante para merecer uma audição. Ultrapassado o hiato de dez anos, resta-nos esperar que este não seja o canto do cisne e que, de onde brotou Love Songs For Patriots, haja sementes para algo mais.

Quarta-feira, Dezembro 15

Introdução do posto de escuta

No quadro das renovações e melhoramentos de que o espaço apARTES tem sido alvo, anuncio mais uma novidade: a partir de hoje, os utilizadores deste blog podem desfrutar de amostras dos discos em análise, o que permite uma identificação mais apurada das propostas musicais, melhorando a qualidade do serviço prestado pelo apARTES.

Como sempre, o meu mail está disponível para qualquer crítica e/ou sugestão.

O meu agradecimento a todos os que visitam o apARTES.



Bizarra Locomotiva - Ódio

Apreciação final: 7/10
Edição: Novembro 2004
Género: Metal Industrial/Alternativo



O projecto Bizarra Locomotiva conta já alguns anos no underground industrial nacional, talvez ficando aquém do crédito merecido. Estão de volta com Ódio. E que dizer do novo trabalho? O som corrosivo mantém-se, as guitarras distorcidas, a voz gutural, a electrónica aqui e ali e muito, mesmo muito, talento. A juntar à música, os cenários sombrios, quase surreais, encantadoramente negros das letras. O senão: o disco não acrescenta nada à carreira da Locomotiva; é certo que tem algumas boas canções, a fórmula está longe do esgotamento, mas o grupo não inova, continua preso a si mesmo. Coerência ou impotência? Deixe-se ao critério do ouvinte. Uma verdade é indesmentível quando se ouve Ódio: os Bizarra Locomotiva são um dos mais interessantes projectos nacionais de metal industrial e merecem chegar a outros públicos. Talvez o lançamento do álbum com o jornal Blitz possa dar uma mãozinha.

Quem não conhece os Bizarra Locomotiva pode pensar numa lunática fusão entre os Mão Morta e os Marilyn Manson (alguns temas têm partes quase recalcadas - "Moscas" não é um quase-plágio de "Anti-Christ Superstar"?). Os conhecedores...bom, esses já devem ter Ódio que chegue no leitor de cd's. Esperemos é que a Locomotiva não siga a filosofia da faixa "O Frio", onde a letra fala de uma "evolução para a...morte".

Dresden Dolls - The Dresden Dolls

Apreciação final: 8/10
Edição: Abril 2004
Género: Pop-Rock Alternativo/Punk Revivalista/Cabaret



Natural de Boston, o duo Dresden Dolls assume o revivalismo do punk, mistura-o com o glamour exibicionista do cabaret, produzindo uma música que vence os ortodoxismo mais resistentes. Amanda Palmer (voz e piano) e Brian Viglione (bateria) juntaram-se em 2001 e rapidamente se tornaram um projecto interessante no seio do pop-rock alternativo, rasgando o rótulo da conotação riot girl e acolhendo as influências da música de cabaret da Alemanha dos anos 30. A música resulta inteligente, fundindo culturas e experiências musicais variadas e revelando influências muito diversas, que vão de Marlene Dietrich e Kurt Weill a Pj Harvey ou Tori Amos, e ainda, a espaços, Courtney Love. A combinação de géneros parece improvável mas acaba por se traduzir num título coerente, com extremo bom gosto, composições equilibradas que não soam forçadas, antes despontam com a naturalidade que lhes advém da criatividade.

The Dresden Dolls é um registo profundamente recomendável a todos os que procuram a frescura e que apreciam a música que se orgulha espaventosamente de ser aquilo que é: autêntica.

Isis - Panopticon

Apreciação final: 8/10
Edição: Outubro 2004
Género: Metal Alternativo/Grindcore



O projecto Isis encerra uma concepção de música única, intrinsecamente densa, marcada pelo espiritualismo e pautada por ambientes pesados, de atmosfera complexa, agressiva e crua. Este quinteto de Boston abraça a composição com algum surrealismo, expresso no recurso insistente ao feedback, a acordes intensos, a uma dinâmica de contrastes intensos entre o silêncio e o oposto, vocalizações elásticas, as mais das vezes em gritos angustiantes, confundidos na distorção das guitarras. Mas os Isis são ainda mais do que isso, vão muito além do simples heavy metal. São também os artesãos de um som experimental, que expõe as vísceras da raiva, em jeito ameaçador, simultaneamente reflexivo, partindo das guitarras e construíndo canções sem estrutura, aparentemente caóticas, mas com um fio condutor puro, abstracto por convicção, semeado algures entre as distorções e os gritos.

Os Isis são uma espécie de Tool-meets-Pink Floyd do heavy metal, estão no meio de uma transformação evolutiva que ainda não atingiu o máximo, mas dele se aproxima a cada registo. Panopticon é "apenas" a metamorfose mais recente.

A Girl Called Eddy

Apreciação final: 7/10
Edição: Agosto 2004
Género: Pop-Rock Alternativo/Cantautor



Lembram-se de Rosie Thomas, Beth Orton ou Aimee Mann? O projecto A Girl Called Eddy, cuja mentora é Erin Moran, segue essas pistas valiosas. Três anos depois do extraordinário EP Tears All Over Town, chega-nos o primeiro longa duração de Moran. Produzido por Richard Hawley e Collin Elliot, o registo é uma confissão melancólica e íntima, serenamente pautada por uma produção algo sofisticada. A composição não poderia deixar de ser influenciada por um certo romantismo, embalado na interjeição permanente de secções de cordas que enriquecem o conteúdo musical.

A alma das canções é praticamente tangível, não é ensimesmada, redime-se das
fraquezas e expõe-se com uma crueza tocante e uma sensibilidade arrebatadora. A natureza maioritariamente acústica do disco contribui para o aproximar mais do ouvinte e, sem ser meloso, impele-o a comover-se. A proposta é irrecusável, o coração de Moran despe-se a cada palavra e acorde, num registo de sinceridade assombrosa. Moran declara-se a nós, ama-nos pela música. Vencidos pela sedução, resta-nos ouvir A Girl Called Eddy durante muito tempo.

Segunda-feira, Dezembro 13

Humanos

Apreciação final: 8/10
Edição: Dezembro 2004
Género: Pop-Rock



O legado de António Variações faz parte do mais valioso património da música portuguesa. As suas canções ditaram novas regras no panorama artístico nacional, rompendo barreiras de letargia e trazendo uma renovada frescura à pop nacional. O projecto Humanos, com as vozes de Manuela Azevedo, David Fonseca e Camané, recupera parte dessa herança, com a responsabilidade acrescida que decorre do facto de os temas serem inéditos, baseados em gravações domésticas do malogrado cantor, entregues à Valentim de Carvalho pela sua irmã, há cerca de dez anos.

O resto é puro Variações: músicas naif e algo excêntricas, letras irónicas e humoradas. O corpo de Humanos é outro, a voz também, a alma é a de António. Tudo soa a ele, e soar a Variações é abeirar-se do genial relaxamento de fazer-se o que se quer, sem leis e imposições, apenas no livre gozo da expressão musical. E Variações fazia-o como ninguém. Os Humanos seguem-lhe as pisadas, abraçam as músicas, não as desvirtuam e sobressai o inevitável espírito de António. Deixemos a modernidade da sua (re)aparição invadir-nos. E apreciemos o seu talento inconfundível através dos Humanos.

Na segunda faixa, a letra de Variações profetiza: "vou viver, até quando eu não sei, (...) quero é viver". Os Humanos mostram-nos que Variações desapareceu, mas jamais morrerá. Um grande disco.

The Incredibles - Os Super Heróis

Apreciação final: 6/10
Edição: 2004
Género: Animação


The Incredibles - Os Super Heróis é a nova proposta dos estúdios Pixxar. O enredo é centrado numa família de super-heróis forçada a viver no anonimato, depois de uma série de processos judiciais movidos contra si. Mr. Incredible, agora com a identidade de Bob Parr (quem se lembrou de transformar o nome em Beto Pêra na tradução legendada?), vive com a esposa Helen e os seus três filhos. A nostalgia do heroísmo leva Bob a deixar o emprego frustrante numa seguradora e a aceitar uma misteriosa proposta para voltar ao papel de herói. A partir daí, a super-família vai ter de recorrer aos poderes especiais reprimidos para voltar a salvar o mundo.

The Incredibles - Os Super Heróis eleva o cinema de animação a um nível técnico não atingido antes, com grafismo soberbos e pormenores visuais perfeitos - o detalhe dos cabelos das personagens e dos cenários é notável. Contudo, se tecnicamente o filme é o melhor do seu género, já no argumento e na dinâmica do enredo fica aquém desse estatuto, parecendo especialmente dirigido aos públicos mais jovens e menos a outras camadas de espectadores. Ainda assim, é um razoável convite ao entretenimento.

Jesse Malin - The Heat

Apreciação final: 6/10
Edição: Junho 2004
Género: Pop-Rock Alternativo/Cantautor



Jesse Malin nasceu para a música como vocalista dos D Generation, projecto a que esteve associado durante oito anos. O registo dessa banda pairava entre o glam-rock e o punk foleiro, ainda que com alguma substância musical. Esse substrato é mais visível nos títulos a solo do nova-iorquino Jesse Malin. The Heat é a nova proposta do músico, depois das promessas suscitadas com The Fine Art of Self Destruction, álbum que havia sido produzido por Ryan Adams.

Este trabalho é um registo honesto, de coração aberto, muito a la Neil Young, contando histórias de amores perdidos e oportunidades esquecidas. Todavia, o nível da composição fica aquém do seu anterior trabalho, destacando-se uma ou outra faixa, com uma formatação cada vez mais baladeira e tipicamente americana. Não se pode dizer que The Heat seja um fiasco, afinal é apenas o segundo disco de Malin, mas não se evita algum desapontamento face às expectativas criadas com o primeiro registo.

Kimmo Pohjonen - Kluster

Apreciação final: 7/10
Edição: Junho 2002
Género: Étnica/Acordeão/Electrónica



Kimmo Pohjonen é hoje um dos mais afamados embaixadores da música tradicional da Finlândia, trazendo uma sensibilidade moderna ao característico som do acordeão. Neste registo, cujo espectáculo passou recentemente pelo nosso país, o músico associa-se ao guru finlandês do sampling, Samuli Kosminen. Ambos são conhecidos pelo vanguardismo e a parceria leva o som do acordeão a terrenos bravios. O conceito é simples: integração do acordeão com modernas percussões e elementos electrónicos, na concepção de uma música multidimensional e inovadora, pimentada por vocalizações disperas, sem rumo e obscuras.

A experiência de Kluster é futurista, funde tradição e improviso, aceita o contraste com ponderação e surpreende mesmo os mais vanguardistas. Não há lugar para a pasmaceira da cómoda composição corriqueira, tudo é minuciosamente pesado, em ambientes coloridos, feitos de visões caleidoscópicas e esparsas frases melódicas. Kluster abre novos caminhos, arrebata pela surpresa viciante e cativa irremediavelmente. Para manter por muito tempo no leitor de cd's.

Wovenhand - Consider The Birds

Apreciação final: 6/10
Edição: Novembro 2004
Género: Pós-Rock/Folk Experimental/Country Alternativo



O enigmático líder dos extintos 16 Horsepower, David Eugene Edwards, começou a gravar sob a designação Woven Hand (neste disco grafado Wovenhand) em 2001. Os fãs dos 16 Horsepower reconhecem instantaneamente a mesma matriz sonora nos trabalhos de Woven Hand: gospel aguçado, folk assombrado e tons mordazes.

Em Consider The Birds, Edwards assume a quase totalidade das instrumentalizações, num tomo de canções sem pretensões, marcadas por dissonâncias intencionais de uma voz forte, em tom confessional de mágoas expressivas, de almas refulgentes e de auras de humanismo.

O registo não será o seu mais brilhante trabalho, mas é um disco reflexivo e que traduz a sensibilidade artística de Edwards.

Sexta-feira, Dezembro 10

apARTES renovado!


Os frequentadores habituais do apARTES já terão percebido que o espaço mereceu uma reformulação gráfica significativa. É minha intenção que as alterações tornem o apARTES mais apelativo, aproximando-o das necessidades dos cibernautas que buscam informação sobre música e outras artes. Nesse intuito, algumas mudanças poderão ainda ser introduzidas nos próximos dias.

Aproveito a oportunidade para agradecer a todos os que passaram pelo apARTES desde a sua inauguração e manifestar a esperança de que este blog continue a responder às exigências dos seus utilizadores.

Obrigado por tudo.
Votos de uma feliz época natalícia.